Jogar por jogar, pelo prazer de virar bichos a direita ou simplesmente fazer jogadas inusitadas também é muito legal, em especial para quem busca no magic um divertimento sem compromisso, mas até entre os mais brincalhões, sempre há vez ou outra aquela fase ou momento em que você quer jogar melhor, entender mais sobre o jogo ou simplesmente ganhar mais vezes; vamos lá, não tenha vergonha de admitir, ganhar também é muito divertido!
Pois bem, as duas coisas que todo mundo faz para subir esse degrau de habilidade são:
1 – Pesquisar sobre teoria de jogo
2 – Jogar mais
Vídeos de jogo e reports de campeonatos, apesar de serem muito bem-feitos, quase sempre apenas te "vomitam" as melhores jogadas, ou apresentam raciocínios de jogo lineares demais, sem contexto suficiente, e Magic, assim como Poker, é o "jogo do depende", até mesmo a ação de baixar o terreno do seu turno, dependendo do caso, pode ser postergada para a segunda main phase, e até completamente ignorada, pois tudo, tudo depende muito quando o assunto é Magic.
Certo, reclamar todo mundo sabe, mas como sanar essa lacuna no aprendizado do jogador? É só sentar a bunda na cadeira e jogar até o pulso doer? Sim e não.
Prática de jogo, antes de mais nada, precisa daquilo que no mundo dos concursos públicos é popularmente conhecido como HBC, uma medida quantitativa que se traduz em "horas-bunda-cadeira", ou seja, não tem como ficar bom no jogo sem que você não o pratique bastante, é engraçado como os melhores jogadores possuem as maiores HBCs, quase sempre em uma relação proporcional e direta.
No entanto, mesmo que você mofe na cadeira jogando partida atrás de partida, ainda assim sua evolução pode ser pequena ou nula, por culpa de um exercício prático de baixa qualidade. Pois é, assim como o jogador casual, que compra e baixa cartas pelo simples prazer de jogar, sem critérios, também está fadado a estacionar na sua evolução caso não estabeleça bons padrões.
E quais padrões são esses? Dentre as variadas possibilidades de treino, alguns padrões despontam mais que outros dependendo do estilo do jogador, mas entre os mais populares, posso enumerar os seguintes:
1 – Amostragem
Magic é um jogo com boa dose de variância, aonde as situações de jogo são variadas e imprevisíveis. Até a melhor base de mana pode zicar por excesso ou falta de terrenos, até o combo mais bem afinado pode se sabotar sozinho ou por mínima interação do oponente, é um aspecto inerente ao jogo que dispensa apresentações.
A amostragem se resume em executar uma grande quantidade de partidas com um determinado baralho, mas GRANDE mesmo, sua amostragem só começa a produzir um resultado confiável a partir das dezenas, e ainda assim variações muito grandes na estrutura do deck, no oponente enfrentado ou até na sua composição de sideboard podem invalidar sua amostragem parcial ou totalmente.
Sim, é um processo cansativo e enfadonho, e ainda assim pode ser inutilizado se você não tiver controle dos dados. Eis algumas das possibilidades em que uma partida especifica pode se enquadrar
A – Falta de mana
B – Excesso de mana
C – Nut Draws (aberturas perfeitas)
D – Excesso de mulligans
E – Bad Draws (aberturas desegonçadas, injogáveis, lentas ou ruins)
F – Fair Draws (aberturas medianas/decentes)
E olha que nem comecei a falar sobre o oponente, que também está propenso a cair em TODOS esses quesitos igual você, e ainda assim gerar resultados diferentes. O grande poder da amostragem é que a partir dos dados você pode determinar quantos jogos seu deck ganhou sozinho, quantos ele perdeu sozinho, quantos ele conseguiu virar uma abertura perfeita do oponente e quantos ele teve uma batalha justa vencida nos pequenos detalhes. Com grandes números, a amostragem é capaz de minimizar eventos isolados de sorte ou azar, te dando resultados sólidos de desempenho.
Mas se as possibilidades são tão grandes, então porque catalogar essas coisas? Porque na hora da amostragem, saberemos como o deck se comporta na maioria dos jogos. Digamos que você sofreu de falta de mana em mais de 20% dos jogos, e suas derrotas foram diretamente ligadas a isso (se você ganhou zicado, por erro do oponente ou recursos do deck, já mudaria a analise), nessa situação, é natural que um número desses indique que seu deck precisa de mais fontes de mana.
Agora imagine que, ao longo da amostragem, você teve um total de 3% de nut draws, e 30% de bad draws + mulligans, uma amostragem dessas demonstra a famosa "inconsistência", atribuída a decks que tem uma ideia de jogo boa, porém pouco confiável, sanar essa falha nem sempre é possível, e uma amostragem que demonstra que seu deck é ruim, possivelmente vai te poupar de grandes frustrações na hora de garimpar seus Planewalker Points na prática.
De maneira isolada, a amostragem também serve para rankear decks, e já é usada em estatísticas de grandes campeonatos lá fora. Imagine que, mesmo tendo variações de cartas ou habilidade de jogador, a estatística de um certo match-up costumar ser muito confiável quando você já tem um registro de 100 ou mais partidas, e muitas das analises de metagame são feitas com base nisso, pois se o deck vencedor dessa semana já possui um predador natural conforme a estatistica, você certamente vai ver esse deck predador ressurgir.
Agora acredito que sua vontade é a de rolar a página até os comentários e mandar a seguinte mensagem:
"Para que eu treine contra dezenas de baralhos e estrategias diferentes, testando no draw e no play, pre-side e pós side, contra diferentes tipos de oponente e alternando as cartas do meu deck ao longo do tempo, uma amostragem confiável de todas essas situações pediria centenas de milhares de jogos, talvez milhões, e quando eu atingir esse dominio, podem aparecer estrategias, coleções ou cartas novas que vão mudar meu metagame, e inutilizar todo o meu esforço, portanto a sua ideia é ridícula"
Pois bem, se feito por seres humanos, em especial de maneira individual, realmente a amostragem perfeita é impossível, não tem como fazer um trabalho assim tão completo e ao mesmo tempo ter uma vida normal e feliz; no entanto, acredite você ou não, muitos dos melhores jogadores já fizeram isso, não necessariamente tabelando cada partida ou rodando baterias infinitas de jogos, mas sim aliando essa tecnica ao segundo alicerce de treino para Magic, a famosa:
2 – Memoria Contextual (ou instinto se preferir)
Por mais que novas coleções e cartas criem mecânicas diferentes e empolgantes, é natural que o design do Magic, para manter seus fãs satisfeitos, sempre fortaleça a familiaridade com o jogo, de forma que tenhamos acesso a situações de jogo repetitivas.
Na maioria dos formatos competitivos todos temos familiaridade das regras fundamentais de jogo (um draw por turno, fases do turno, etc), mas aliado a isso, as estratégias e recursos oferecidos pelas cartas também se repetem, inclusive nas cores aos quais aquela habilidade é característica. Todos sabemos que o azul terá compras e counters, no branco estrategias de "enxame" e remoções globais, e assim em diante. Mesmo que versões piores ou melhores de um mesmo efeito sejam impressas, é natural que sua memória com relação a estes efeitos seja acessada na hora de avaliar as cartas.
Mas não é algo tão simples assim. A memória contextual serve para que você consiga reproduzir estados de jogo de acordo com as referências do passado.
Não entendeu? Imagine que depois que a amostragem excluiu da sua analise as situações aonde você sofre uma auto-win (nut draw, zica do oponente ou QUALQUER vitoria não-interativa) e também as situações de auto-loss (nut draw do oponente, zica sua ou QUALQUER derrota não-interativa) sobram apenas as situações aonde seu julgamento e habilidade são exigidos. É a partir daí que sua memória contextual começa a operar.
"Devo jogar ao redor da remoção global do cara e não vomitar a mão na mesa?"
"Devo jogar minha melhor carta agora ou jogar uma pior como isca de counter?"
"Devo descartar da mão do oponente a carta que faz ele ganhar ou a que me impede de ganhar?"
Os julgamentos que você aplica corretamente no passado, vão te ajudar nas decisões no futuro, desde que você tenha a noção de quando eles realmente são julgamentos, e não auto-play. Sabe aquele jogo em que você comprou, em fila indiana, todas as cartas para remover cada coisa do seu oponente, depois comprou a bomba, venceu e ainda falou que seu deck é bad match pro cara? Estas são as vitórias "auto-play", não tiro o mérito de quem ganha assim, pois muitas vezes é a ESCOLHA de um deck a sua melhor decisão, porém, são coisas diferentes de memória contextual, geralmente o ambiente de testes que te permite encontrar os melhores decks para uma situação especifica de auto-win é a amostragem.
E abro a pergunta:
"A memória contextual é melhor que a amostragem?"
Depende.
Se for pra dominar um deck que te dá muitas rotas de jogo, e exige julgamento constante, como decks aggro-control, sem dúvida a memória contextual acumulada nos anos vai ser bem mais importante do que os dados das partidas, pois você não quer mastigar informações massivas do seu deck, e sim raciocinar as melhores linhas de jogo de acordo com cada jogo. É importante testar? Sim, mas o foco é na qualidade do teste, e não na quantidade, aprofundando suas decisões a cada turno, usando sua experiência em blefes ou previsões, e adaptando-se as necessidades de cada partida.
Se for pra dominar decks ofensivos ou não-interativos, a amostragem é um pouco melhor. Através dela você descobre qual deck vai ter mais auto-wins, menos auto-loss, e de acordo com sua analise, poder comparar variações entre decks desse mesmo estilo para atacar um metagame especifico, a amostragem pode inclusive te ajudar a decidir entre dois decks que mesmo diferentes nas cores e cartas, são iguais nas metas ou operações, como por exemplo escolher um deck mais consistente, com poucas auto-loss, ou então um deck do qual seu metagame não esteja corretamente preparado, gerando mais free-wins.
Ainda que eu tenha comparado os dois estilos, na verdade eles são feitos em conjunto, e muitas vezes sem nenhuma formalidade ou definição especifica, são esses alguns dos métodos que grupos de jogo usam para avaliar um determinado metagame ou produzir baralhos e times campeões, eles aliam a produção de informação massiva que um grupo coeso pode juntar ao lado das experiências de julgamento de cada um, e com isso atingem um nível de habilidade muito maior, pois vão ter a informação mais completa na hora de escolher e pilotar decks.
É por isso que muitas vezes um jogador bom vence um grande campeonato sem sequer treinar com o baralho previamente, isso é memoria contextual avançada.
De igual maneira, é assim que um jogador desconhecido domina um campeonato com um deck aparentemente impopular mas que não perdia para nenhum outro deck dominante, isso é amostragem bem fundamentada.
Espero que após esse longo texto a sua prática de magic, caso insuficiente, seja revista e melhorada, pois é muito gratificante sentir a diferença que seu preparo causa nos jogos, seja ao avaliar uma situação, ao entender um acontecimento de sorte ou azar, é assim que, aos poucos, seu treino se transforma em grandes resultados.
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